«Mais do que qualquer outra invenção singular, a escrita transformou a consciência humana» (Walter Ong) |
Fernando Pessoa e a Filosofia Sanatorial
De A Montanha Mágica (T. Mann) para «Na Casa de Saude de Cascaes» (ou vice-versa), passando por...Caxias
Este livro trata das relações entre Pessoa e a ideia de uma Filosofia sanatorial, consubstancial à arquitectura do processo heteronímico pessoano como, aliás, a quase toda a Modernidade, comparando-a com o romance de Cultura (Bildungsroman) de T. Mann A Montanha Mágica. Este último representa um dos seus exemplos mais evidentes surgindo, usualmente, como expressão da crise e fracasso da racionalidade de tipo iluminista e cartesiana, isto é, a contrario, de afirmação da lição niilista do processo de individuação. Ora, os textos ficcionais «Na Casa de Saude de Cascaes» e «Na Casa de Saude de Caxias», ambos existentes no espólio e aqui transcritos em anexo, fornecem-nos o quadro teórico sanatorial em que este se movimenta e, por amplificatio, a própria mania divina da alma em que se integra a heteronímia, aqui pela mão do «misoneísta», «relembrador da antiguidade» e «médico da cultura», «o mais (pessoalmente) original de todos» (que surge nesse sanatório de Cascais vestido de toga, recitando «o principio da lamentação de Prometheu no drama de Eschylo») que é o Dr. António Mora-Fernando Pessoa. Thomas Mann (como o próprio Pessoa) tinha dificuldade em aprovar este espírito. Como artista, era-lhe difícil entrar em rotura com a tradição romântica que passava por Goethe, Nietzsche ou Wagner. É esta a história que, à semelhança do processo heteronímico (de individuação) se narra n’A Montanha Mágica e que, em termos de metáfora, também se (pré)figura nesta filosofia sanatorial. Quer num caso quer no outro, como se irá ler, estamos perante um análogo jogo de demiurgia divina («Desejo ser um creador de mythos, que é o mysterio mais alto que pode obrar alguem da humanidade», escreve Pessoa num dos fragmentos para «Aspectos»).
Nota ao Leitor